quarta-feira, outubro 04, 2006

ANTONIO DELFIM NETTO: Suponhamos...

É SURPREENDENTE ver como algumas soluções idealizadas para nossos problemas, por ex-quase brilhantes "intelectuais" e por entusiasmados colunistas que cuidam bissextamente de economia, conformam-se com propostas que costumam vir de notáveis economistas com a mais fina capacitação acadêmica. Olham para o que o governo paga de juros -em torno de 7% do PIB (o que é mesmo um absurdo)- e imaginam o que poderia ser feito com tais recursos: aumentar os investimentos públicos e, ainda melhor, "ampliar os gastos sociais" (inclusive o aumento do funcionalismo!). Ou olham para o superávit primário (que não é superávit, mas despesa comprometida) exigido, aritmeticamente, para manter constante ou reduzir a relação dívida líquida/PIB, e sugerem o que poderia ser feito com tal "sobra"... O tipo de raciocínio é exatamente igual ao comportamento do economista de uma piada aparentemente inventada por Paul Samuelson (o Nobel da minha geração). Um físico, um químico e um economista se encontram numa ilha deserta sem ter o que comer. Descobrem uma lata de salsichas e tentam determinar como abri-la. O físico diz: "Vamos bater com uma pedra e amassá-la". O químico sugere: "Vamos esquentá-la até explodir: comeremos as salsichas já cozidas". O economista, mais imaginoso, sentencia: "Suponhamos que dispuséssemos de um abridor de latas...". Suponhamos que a carga tributária bruta seja de 26% (e não de 38% como é) e que a dívida líquida do setor público seja nula (e não de 50% do PIB como é). Logo, não há problema: baixamos a taxa de juro real de 10% para 3% (como deveria ser, mas não é) e todos os nossos males se dissiparão. Poderemos fazer tudo ao mesmo tempo: resgatar a dívida social que acumulamos desde a repugnante escravidão, aumentar os investimentos públicos, fazer justiça com os aposentados... e, finalmente, construir o "Pays de Cocagne", onde todos teremos uma vida tranqüila e agradável. Mas como fazê-lo? Serão as soluções dessas questões apenas dependentes de suficiente "vontade política", como acreditava o velho PT até chegar ao governo e ver "cair a ficha"? Como cortar a carga tributária sem cortar os gastos sociais (o que seria uma tragédia)? Como cortar a dívida do governo sem expropriar outra vez todos os brasileiros, pois eles é que são os portadores da dívida, não os bancos (como sugerem os gênios), que apenas a intermediam? Não têm respostas! Resta, apenas, a hipótese genial: "Suponhamos que essas questões não existam"... www.brasiline.zip.net