quarta-feira, agosto 17, 2005

Corte Especial do STJ recebe denúncia contra governador de Rondônia

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em votação unânime, recebeu a denúncia formulada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o governador do Estado de Rondônia, Ivo Narciso Cassol. O governador foi acusado, juntamente com mais oito pessoas, de participar de um esquema para fraudar licitações feitas pela prefeitura de Rolim de Moura (RO), à época em que era prefeito.Quanto ao afastamento de Cassol das funções de governador, a maioria dos ministros da Corte Especial decidiu que, no caso, não cabe a determinação especificada na Constituição do Estado de Rondônia de afastamento quando recebida a denúncia pelo STJ. Isso porque os crimes teriam sido praticados quando Cassol ainda era prefeito de Rolim de Moura (RO), e não governador do Estado.Ao votar, o relator, ministro Carlos Alberto Menezes Direito, baseou-se nas questões levantadas pela defesa de Cassol. No que concerne à prejudicialidade e dependência do processo criminal em relação ao processo administrativo no Ministério da Integração Nacional, atualmente em curso, para posterior remessa ao Tribunal de Contas da União, o ministro destacou que, havendo elementos indiciários da prática do crime, pode e deve o MPF iniciar a ação penal, não constituindo pré-requisito o encerramento do processo administrativo."Seria até mesmo um contra-senso que o MP tivesse que aguardar o encerramento do processo administrativo para ingressar com a denúncia quando presentes elementos suficientes para tanto. Essa orientação tem sido agasalhada nesta Corte, pois não se podem vincular os dois processos de modo que o MP seja cerceado em sua função", disse o relator.Quanto aos indícios de crime relacionados à autoria e à materialidade, o ministro Carlos Alberto Direito afirmou que o MP demonstrou, com toda claridade e com farta documentação, que as empresas envolvidas no esquema tinham como sócias pessoas muito próximas ao governador. Em relação à modalidade de licitação utilizada nos certames – convite –, o ministro ressaltou que ela não poderia ter sido empregada."A denúncia mostra que as irregularidades são flagrantes e toda a documentação anexada pelo MP nos autos do processo são suficientes para enfrentar as alegações postas pela defesa, particularmente em se tratando do artigo 90 da Lei 8.666/93. Assim, estando presentes fortes indícios de materialidade e autoria, não há como deixar de receber a denúncia, neste momento", concluiu o relator.A fraudeAlém de Ivo Narciso Cassol, governador do Estado de Rondônia, o MP ofereceu denúncia contra Aníbal de Jesus Rodrigues, Neilton Soares dos Santos, Izalino Mezzomo, Ivalino Mezzomo, Josué Crisóstomo, Ilva Mezzomo Crisóstomo, Salomão Oliveira da Silveira, superintendente da Superintendência de Licitação do Estado de Rondônia, e Erodi Antônio Matt, servidor público do Estado de Rondônia. Eles teriam cometido o crime de fraude em licitação pública, previsto no artigo 90 da Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações), e o de formação de quadrilha para cometimento de crime, previsto no artigo 288 do Código de Processo Penal.A fraude a que se refere a denúncia envolve o período de 1998 a 2002, quando o atual governador do Estado de Rondônia era prefeito da cidade de Rolim de Moura (RO). Nesse período as empresas que venceram a maior parte das licitações do município eram ligadas entre si e ligadas ao governador Ivo Cassol.Diz a denúncia que oito empresas se revezaram na execução de obras de engenharia. Entre 1998 e 2001, de um total de 29 licitações, essas empresas conseguiram obter o contrato em 22 delas. O valor das licitações foi de R$ 2.783.240,15, sendo destinado a tais empresas o montante de R$ 2.569.020,20, ou seja, 92,3% do total dos recursos.No período de 2001 a 2002, a situação se agravou. Em 55 licitações, 34 foram vencidas por essas empresas, num total de 81,83% do total de recursos. Para o MP, a estratégia montada para que as empresas fossem as vencedoras foi a distorção da modalidade de licitação exigida por lei. Pelo valor envolvido, a modalidade seria a tomada de preços. Mas os objetos foram fracionados para que as licitações fossem feitas mediante convite, portanto a fim de que essas mesmas empresas viessem a ser reiteradamente convidadas.A relação que haveria entre as empresas também foi esmiuçada. Para o MP, existiria uma ligação íntima entre elas e o governador Cassol. A empresa JK Construções e Terraplanagem tem sede, de acordo com o contrato social, em uma propriedade conhecida na região como "Pátio dos Cassol", na RO-010, km 01, s/nº, zona rural de Rolim de Moura. E ela tem como sócio Aníbal de Jesus Rodrigues, o qual faria a contabilidade da JK, de outra empresa envolvida na fraude – a Construttora Pedra Lisa Ltda. – e de várias outras empresas de propriedade do Grupo Cassol. Aníbal também foi sócio da esposa do governador de Rondônia, Ivone Mezzomo Cassol, na empresa Brasil FM Ltda, no ramo da radiodifusão, que a defesa alega nunca ter efetivamente funcionado. Os sócios originais da empresa JK foram o casal Isalino Mezzomo e Edna Soares. Isalino é irmão de Ivone Cassol e ingressou posteriormente como sócio nesta mesma empresa. O seu responsável técnico foi Jacques da Silva Albagle, que integrou o quadro da Prefeitura de Rolim de Moura, à época, e seria "homem de confiança" de Cassol, segundo o MP. Já as empresas Sul Terraplanagem e Construtel Terraplanagem são de propriedade do casal Josué Crisostomo e Ilva Mezzomo Crisostomo, esta irmã de Ivone Cassol.A defesaO governador Cassol teve sua defesa sustentada pelo advogado Eduardo Ferrão, que invocou a inépcia da inicial. Para ele, o governador foi colocado na "posição dramática de produzir prova negativa". Isso porque a denúncia não descreveria o que o acusado fez, em que consistiu sua atuação, como ele teria interferido no processo licitatório ou na comissão de licitação, quais vantagens teria recebido pelas fraudes. Assim, a denúncia não preencheria os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.A defesa argumentou que as mesmas empresas acusadas de fraude continuaram vencendo licitações em Rolim de Moura mesmo depois da saída de Cassol. E mais, teriam vencido outras 78 licitações em municípios vizinhos. Para a defesa, isso seria natural porque nenhuma grande empreiteira se interessaria em realizar obras "nos grotões de Rondônia".A defesa também argüiu que o Tribunal de Contas da União, no que diz respeito a convênios federais, não impugnou nenhuma das licitações apontadas pelo MP. Para o advogado de Cassol, não se justifica que o Ministério Público chegue ao Poder Judiciário "com lacunas, com omissões, com deformações" e submeta a acusação. "A instauração de uma ação penal já é a punição do homem público", argumentou Ferrão.Quanto ao afastamento do governador previsto na Constituição Estadual de Rondônia, a defesa de Cassol pediu o reconhecimento da competência do STJ para apreciar a situação, uma vez ser o Tribunal o juízo natural dos governadores. No mérito, no entanto, a defesa sustentou que o afastamento não deveria ser determinado porque a denúncia não diz respeito ao mandato de governador, mas ao exercício de prefeito, que já terminou.
A divergênciaA Corte Especial reconheceu a competência do Tribunal para apreciar o pedido de afastamento. Quanto a este, o voto do ministro relator foi no sentido de se aplicar o que está previsto na Constituição estadual de Rondônia. Para o ministro Carlos Alberto Direito, o dispositivo estadual que determina o afastamento é compatível com a Constituição Federal, que, no seu artigo 86, parágrafo 1º, tem a mesma disposição quanto ao presidente da República, não havendo, portanto, conflito entre as regras. A Constituição Federal, no mesmo artigo, mas no parágrafo 4º, proíbe sua responsabilização por "atos estranhos ao mandato". Para o ministro relator, se a Constituição Estadual de Rondônia não trata dessa proibição para governador, o afastamento pode ser entendido como automático.A maioria dos ministros seguiu o entendimento exposto primeiramente pelo ministro Felix Fischer. Para eles, é preciso relevar que o Ministério Público não requereu o afastamento do governador. O fato de os crimes apontados na denúncia terem sido anteriores ao exercício do atual mandato de Cassol também foi considerado pelos ministros para que o afastamento não fosse determinado. Segundo tal entendimento, o afastamento é de natureza cautelar, e a saída temporária do cargo deve ocorrer quando o agente pode influenciar na investigação, o que não seria o caso, já que Cassol não ocupa mais a prefeitura de Rolim de Moura. Votaram com o relator, os ministros Barros Monteiro, Cesar Rocha, Ari Pargendler, José Delgado, Fernando Gonçalves, Eliana Calmon e Franciulli Netto. Com a divergência iniciada pelo ministro Fischer votaram os ministros Nilson Naves, Peçanha Martins, José Arnaldo da Fonseca, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Francisco Falcão, Laurita Vaz e Luiz Fux.Outra investigaçãoO presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, afirmou, logo após o julgamento, que a permanência do governador de Rondônia no cargo não significa que ele não possa vir a ser afastado futuramente, quando do julgamento final da ação penal. Além disso, o ministro Vidigal lembrou que está em curso no STJ outra investigação contra Ivo Cassol, que trata da compra de deputados estaduais para apoio em votações na Assembléia Legislativa de Rondônia. Neste caso, a principal prova são fitas de vídeo apreendidas na casa de Cassol pela Polícia Federal, em que aparece o governador e deputados negociando o pagamento da propina. O presidente Vidigal ainda comemorou o ineditismo da apreciação de uma ação penal contra governador no STJ, o que só foi possível em função de autorização dada pela Assembléia Legislativa de Rondônia para o processo. www.brasiline.zip.net