Os Garimpeiros do Rio Madeira
Dono de águas barrentas e fortes correntezas, o rio Madeira, a princípio, parece ser um rio qualquer sem maiores atrativos. Muitos garimpeiros torcem para que ele continue a ser visto assim, uma vez que seu leito esconde um rico minério, o ouro. O sonho de enriquecer faz com que milhares de homens e mulheres deixem suas casas e passem a enxergar nos fundos de um rio até então "insosso" a possibilidade de mudarem suas vidas. Se a corrida em outrora era para Minas Gerais, hoje ela acontece em Rondônia.
O garimpo do ouro começa ainda na superfície, nas plataformas onde ficam as dragas. As lanças de sucção reviram o fundo rio e despejam em uma plataforma milhares de litros de água, acrescidos de cascalho e terra. O material recolhido passa por uma esteira e será "coado" pelos garimpeiros. A lama e a água são retiradas, e o que resta é misturado com mercúrio, um metal líquido pesado, cujo uma das características é unir-se facilmente a outros metais como o ouro ou prata, produzindo uma amálgama.
Para separar o ouro do mercúrio, os garimpeiros submetem esta liga metálica a altas temperaturas, fazendo com que o mercúrio "derreta" e volte ao seu estado líquido - sobra então o ouro, pronto para ser comercializado. Depois de 20 horas de trabalho, vem o resultado final: 56 gramas de ouro - o equivalente a R$ 2500 (cada grama vale cerca de R$ 50). O dinheiro serve para pagar a comissão dos trabalhadores e a manutenção da draga. Ao dono, fica um lucro de R$ 400.
As dragas do rio Madeira funcionam 24 horas, homens trabalham dia e noite, fazendo do garimpo um modo de vida. Sobre as águas há uma estrutura preparada para longas estadias, com direito a grelha, varal, local de almoço e camas confortáveis. Cozinheira da draga há 20 anos, Dona Raimunda da Silva recebe 40 gramas de ouro por mês dos garimpeiros, mas ainda não juntou o suficiente para retornar à família. Esta é uma história entre milhares de pessoas que deixaram tudo para trás pelo garimpo.
Longe da fofoca, como é popularmente chamado o local onde ficam "estacionadas" as dragas, dois experientes garimpeiros trabalham como antigamente. A roupa de mergulho visivelmente gasta se confunde com a tecnologias do mundo moderno. É Seu Dario quem leva as lanças de sucção até o fundo do rio, com ajuda um tubo de respiração ligado a um compressor e com as orientações de um segundo garimpeiro que fica na superfície. Boliviano, é deste lado da fronteira onde ele tenta a sorte há 30 anos.
Entre as histórias de fracasso que habitam esta região de Rondônia, uma de sucesso destoa do que parecer ser o destino de cada um que viaja em busca de riqueza. Como não poderia deixar de ser diferente, José Luis Cunha saiu do Maranhão há 20 anos atrás para garimpar no Rio Madeira. Sem sorte, decidiu transportar os garimpeiros - as corridas eram pagas em ouro. O ex-taxista soube economizar o suficiente e decidiu investir. Hoje, ele é dono de uma frota de ônibus.
Além do impacto que o garimpo provoca nas vidas de milhares de pessoas em Rondônia, existe um outro tipo de impacto tão relevante quanto o "humano", trata-se do ambiental. Barrancos são destruídos, o rio sofre com o assoreamento e o mercúrio, utilizado para separar o ouro da lama, é altamente tóxico, podendo afetar toda a cadeia alimentar da região. A longo prazo, o uso intenso deste metal pesado no processo do garimpo contamina os peixes, principal base da alimentação da população ribeirinha.
No laboratório da Universidade Federal de Rondônia, pesquisadores analisam amostras de peixes, detritos e até fios de cabelos de moradores de comunidades ribeirinhas. Os exames indicam que o nível de contaminação por mercúrio é quase três vezes maior que o permitido pela Organização Mundial de Saúde. Vanderley Bastos alerta sobre as consequências. "São agressões ao sistema nervoso, comprometimento da visão, locomoção, surgimento de anomalias", diz o biólogo.
Durante a gestação, existe também a possibilidade da mãe transmitir ao feto algumas das consequências levantadas por Bastos. Desde 2004, o Hospital de Base de Porto Velho registrou 20 crianças anencéfalas, ou seja, sem cérebro. A relação entre as ocorrências e o mercúrio está sendo investigada. Ainda não há provas concretas, embora os primeiros dados indiquem que a maioria das crianças recém-nascidas com deformidades são da área ribeirinha.
Embora os efeitos negativos fiquem evidentes em estatísticas ou estudos, o garimpo em Rondônia ainda atrai pessoas de todos os cantos do país. Enquanto existir a possibilidade de encontrar ouro no fundo das águas barrentas e fortes correntezas do rio Madeira, o sonho de enriquecer de muitos homens e mulheres continuará vivo.
***Fonte: REDE RECORD-Reportagem: André Tal
Edição: Márcia de Aguiar
Edição: Márcia de Aguiar
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